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A compra da Rural

Tô Bão ! 

Esta não é uma estória de ficção, todos os nomes e fatos citados são reais. É a história de quando eu e minha mulher, Rosilene, voltamos da viagem à Diamantina pela estrada de terra, história esta já contada, e resolvemos: Vamos comprar uma Rural! Então...

Dia 16/11/01 peguei um caderno de veículos do dia 14 na casa de meu pai. Na seção 4x4 tinha umas três Rurais. Todas caras. Dar de 8 a 10 mil, ou até mais, em um carro velho é duro. Vamos procurar mais, que uma hora aparece uma oportunidade, disse eu a Rosilene. Então comecei a olhar anúncios na Internet, e foi ai que fiquei também conhecendo a página da Rural. Até andei me correspondendo com o Alan, dono da página. Vale a visita lá, em www.ruralwillys.com.

Duas semanas depois, após decorar um tanto de anúncios de Rural na Internet, peguei em um sábado os anúncios de um jornal de Belo Horizonte, também na Internet, e saí ligando. "Já vendi", era tudo o que se escutava. Já perceberam que a maioria dos anúncios na Internet são de coisas vendidas?

E a Rosilene me atentando para procurar mais Rural. E eu pensava: "Meu Deus, o mundo está virando. Deve ser a tal inversão magnética, a inversão dos polos,  que está chegando. A Rosilene, uma urbanoide convicta, que só sabia dizer: "Deus me livre", quando eu a chamava prá ver na televisão provas e reportagens de Jeep's. O Rallye do Batom eu acho o maior barato. Que dizia: "Cruz credo", quando eu tinha idéia de acampar. Comprei minha barraca em 1987 e só usei duas vezes. Que, quando íamos ao Sítio, só ficava onde se tinha cimento ? "Vou pegar carrapatos", sempre dizia.

Qual jeito ? Vou procurar mais Rural. Em um sábado à noite, liguei para um anúncio que não tinha vendido. Era a mãe do dono do carro, e não sabia dar maiores informações. Peguei o endereço.

No domingo acordei sem nem imaginar o que estava para me acontecer. Rose me acorda com um pedido: "Vá comprar os jornais para vermos os anúncios, AGORA!" Brincadeira, como bom mineiro sou sócio fanático do MMM-Movimento Machão Mineiro, e adepto da Teoria de Jurubanana que reza: Mulher, menino e cachorro tem que tomar um pau todo dia para saber que tem dono!, então respondi: "Sim, Senhora!".

Surpresa!... Nenhum dos três jornais que comprei tinha qualquer anúncio de qualquer veículo que se assemelhasse com uma Rural. E nem com Jeep e afins. "Não tem problema não, Rose. Guardo os jornais para limpar os vidros dos carros. Vamos lá ver a tal Rural." Fomos. Era uma Rural 69, verde e branca. Ótimo ! A cor que eu queria! Carro velho não tem cor. Compra-se qualquer um que for bom e barato. Vocês não deixariam de comprar um carro velho bom só porque ele é roxo ou rosa, não é?. O dono, Júlio, muito gente boa, estava vendendo também um Jeep, dourado, todo reformado. Foi esse tal Jeep e essa tal Rural que mudaram de vez a opinião da Rose para comprar mesmo uma Rural. Só que a Rural dele, que já tinha sido vermelha, pois havia sido comprada anteriormente em um leilão dos bombeiros, o que não a desmerecia em nada, era 2x4 com molas helicoidais, o que seria mais difícil de se colocar a tração dianteira. Isso eu já tinha aprendido na página da Rural na internet, e minha intenção era uma 4x4. Acabei que fiquei amigo do Júlio e ele me passaria um monte de macetes, ferros velhos e etc's posteriormente. Foi ele quem nos disse que teria o 100º capotamento do "Vovô" em Morro Vermelho, e que lá sempre tinha gente querendo vender Jeep e Rural. "Prá que lado é isso, Júlio?" Após uma rápida explicação, entendendo sem entender o caminho, fomos em uma oficina de Jeep's perto da casa de de papai e mamãe, pois iríamos  almoçar na casa deles, como já estava combinado. Ficamos espiando por entre as barras da grade e lá vimos uma Rural 4x4, muito bonita, verde e branca, com placas de Diamantina e a venda, colado em adesivos no vidro traseiro um telefone. Fomos embora, e na casa de meu pai, a Rosilene não saiu do meu pé enquanto eu não liguei. Era o Cristiano, mas a Rural era do sogro dele, e apesar de linda estava muito cara. Era o que eu achava na época. Acho que a minha vai acabar ficando pelo mesmo preço, após a reforma, ou até mais cara. Contei para o Cristiano a viagem de Diamantina, falamos de Diamantina, dos carnavais e dos parentes que tenho lá, pois ele também  é de lá, e ficamos também amigos, apesar de nunca ter visto a cara dele, vira e mexe ligo para ele e pego toques sobre a Rural.

Almoçamos. Mais uma surpresa. Rose queria ir a Morro Vermelho. "Ficou louca ? A tal festa começou cedo e já deve estar acabando". E a insistência continuava. Vocês vão ver brevemente. Norte vai virar sul. A inversão magnética vai mesmo chegar. Rose quer andar no pó e no barro!. Somou-se então minha mãe, doida para passear em um lugar diferente, e meu pai querendo ficar. "Então vamos !" Fomos nós três.

Segue para Sabará, atravessa a cidade, entra a direita embaixo de um pontilhão e segue, já tinha explicado o Júlio, falando que a estrada era muito batidinha. O início da estrada de terra já começava um monte de poças d'água, mas foi só o início, a estrada até que não era muito ruim. Um monte de marcas de pneus "fora de estrada", e eu seguindo, de Logus. "É só ir em frente!",  já tinha dito o Júlio. Em frente, né? Em frente até uma bifurcação com uma sacolinha de plástico amarrada em uma árvore. Direita ou esquerda ? Direita!, voto unânime. Linda a estrada. Sobe uma serra, entre a Serra do Curral em Belo Horizonte e a Serra da Piedade em Caeté. Dá para avistar longe. Desce outro morro. Dá para avistar longe mesmo, inclusive um tantão de subidas da estradinha, sumindo no horizonte."Nós vamos passar lá em cima?", pergunta mamãe avistando a estradinha no topo da serra há uns 5 Km. "Vamos", respondi. "Então deveria mesmo ter colocado a garrafa com a limonada no carro!".

Pela distância que o Júlio tinha explicado, tínhamos rodado o dobro, mas o tanque estava cheio e não ia enfiar o carro em um buraco para não sair. Qualquer problema maior era só voltar, mas após umas três paradas para elas descerem para o carro ficar mais leve e atravessar uns trechos de pedras, chegamos no topo da serra. Tinha um anú branco, ou será que era um gavião, plainando, parado sem sair do mesmo lugar, procurando uma presa. Uma cachoeira muito alta descia da serra seguinte. Fiquei sabendo depois que é a Cachoeira de Santo Antonio, e que para o lado dela tem um restaurante típico alemão, perdido no meio do mato. Só indo lá conferir depois que a Rural estiver pronta. Um pé com umas frutinhas leitosas e meio amargas em uma pequena árvore no meio do cerradinho me chamou a atenção. Peguei as maduras e coloquei no carro. Eva, a empregada de minha mãe, comeu todas no dia seguinte dizendo que eram umas delícias e que o amargo saia com o leite. Era mesmo uma fruta do cerrado, que ela comia no interior quando criança. "Da próxima vez você verá só as fotos, para aprender ser gulosa", brinquei com ela.

Virando o topo da serra, começamos a escutar sons, músicas, e deu para avistar uma cidadezinha a uns 3 Km. "É lá! Vamos descer." Neste ponto é que a inversão magnética estava para se confirmar. Como a decida era muito forte, o terreno de saibro,  as chuvas abriram um monte de valas na estrada. "Vamos descer assim mesmo, falta muito pouco" Escolhe lugar para passar, põe a roda em um morrinho, desce devagarzinho uma vala menor, e pronto. O carro afundou! O terreno do alto da serra é filito puro, aquele mesmo tipo de terreno que o pessoal de sondagens chama de filito da puta. Muito mole. O carro afundou uma roda dianteira e levantou uma traseira. Pronto! Estou ferrado. Tirar o carro até que não vai ser o problema, o pior vai ser agüentar minha mãe, traumatizada com estradas de terra, e minha mulher dando ataques. Que nada! Minha mãe só observou que tinha água lá em baixo e que sede não passaríamos se o carro agarrasse, e a Rose atendeu prontamente meu pedido para sentar no porta malas para equilibrar o carro. O carro saiu fácil, fácil. Desci mais um pouco, só, no carro e parei no meio da estrada em baixo de uma árvore, esperando elas chegarem. "Viu só, Júnior. Ajudei direitinho a tirar o carro do buraco. E olha que nem pití dei!" Uma vez em Porto Seguro, desci um barranco com um buggie e ela quase descabelou. O casal amigo nosso, que estava na traseira, pulou fora do carrinho, assustados. E eu achando que iria ser a mesma coisa. Pronto, minha mulher virou jeepeira. E isso fazendo trilha de Logus. Quando comprarmos a Rural, vou ser o navegador dela no Rallye do Batom...

Chegamos em Morro Vermelho. Barraquinhas, clima de festa em meio a um barro danado, dificuldade para estacionar e um monte de malucos dando pau nos jeeps em uma pista improvisada em um pasto ao lado de um açude. Olhamos um pouco, tomamos algo em uma barraquinha e chega o Júlio na Rural verde, com o restante do pessoal no jeep dourado. “Cheguei na sua frente, Júlio!” “É, a Rural engrimpou o trambulador !” Conversamos um pouco e aí foi que ele me explicou o caminho correto. O erro estava na danada da sacolinha de plástico. Era só ter entrado para o outro lado. Trilha de jeep é fácil, quero ver você fazer com um Logus. E deixar a descarga inteira.

Fomos embora pela estrada correta, que cruzava a cidade através de uma ruazinha calçada, e de repente... Olha ali, embaixo de uma coberta de amianto, duas Rurais, uma amarela, e a outra? Ah!, a outra verde. Estavam completamente empoeiradas pela falta de uso, ainda com placas amarelas. Em MG a troca das placas foi obrigatória em 98. Bate palmas, chama alguém, campainha não tem, e nada! Que remédio? Então vamos embora! Mas, logo abaixo, em uma mercearia, resolvi perguntar pelo dono das Rurais. O proprietário me disse que eram do Nô, irmão do Sr. Hélio, tio torto dele, e que o Nô não estava. Procurei então o Sr. Hélio, logo à frente, na mesma rua, para ver se conseguia o telefone o Nô. Veio o Sr. Hélio. Sujeito simpático, muito conversado, que recebeu a mim e minha mulher com a maior atenção. Quando disse a ele o que queria, Sr. Hélio respondeu: “O Nô! Ele num vende nada não. As Rurais ele não paga os impostos há tempo! Não conserva e não vende nada que é dele. A Rural verde é 72 foi minha, se fosse ainda, vocês já iam embora nela”. “O Sr. é catireiro, Sr. Hélio?“, perguntei, e ele: “Sou, e gosto muito!” Rimos bastante, conversamos mais um pouco, anotamos o telefone do Nô, e trocamos os telefones com o Sr. Hélio, que nos havia dito que iria procurar “uma Rural no jeito” para nós. Sr. Hélio ainda insistiu mais uma vez no cafezinho, quando viu mamãe no carro, mas já estava ficando tarde. Deixamos então a promessa de voltarmos, já com a futura Rural, para tomarmos o cafezinho e Sr. Hélio dar uma volta nela.

Já em casa, consultei pela internet, as placas das Rurais do Nô. Realmente ele não devia pagar nada delas há tempo. O Detran retornou, para as duas, veículo não cadastrado. Desisti delas.

Passou a segunda e a terça, foi quando, à noite, peguei o tal jornal de 14/11, já velho de vinte dias passados. Tinha lá uma Rural do interior, que eu não havia ligado. Atendeu o Ronaldo: ”Já vendi”. Claro. Vinte dias! “Mas aqui tem mais duas que os donos vendem. Uma é 2x4 e outra, do meu tio, 1972, primeiro dono, é 4x4. E ele vai todo o dia nela para a roça. São 60 kilometros diários.”, completou ele. “Beleza! Manda do telefone dele que olho com ele a Rural.” Liguei em seguida, para o Sr. Quito:

-         4x4 Sr. Quito?

-         É.

-         Quantas marchas?

-         Quatro, só que uma é prá trás.

-         Tá boa?

-         Tá. Vou com ela todo dia buscar leite na roça.

-         Qual cor?

-         Cinza e branca.

-         É 72, não é mesmo?

-         Não! É 62.

-         E quanto o Sr. quer nela?

-         Ahhh! Isso é com o Ronaldo. Ele é que é o catireiro de carros da família.

Fiquei sabendo depois que a última Rural da cidade era mesmo essa, a do Sr. Quito.

Liguei para o Ronaldo na quarta para ver o preço. Só mesmo para ter uma base, pois todos os carros por telefone são os melhores. Lembrei a ele que o carro era dez anos mais velho que ele havia dito, mas isso para mim pouco importava. Animado em ir ver o carro, liguei a noite para o Sr. Quito, para combinarmos de ir no domingo ver o carro dele. “Meu filho, vou até fazenda de domingo a domingo. Vou estar na cidade no domingo só depois da 5 da tarde. Só neste final de semana é que vou voltar mais cedo para o casório do Ronaldo.” Liguei novamente para o Ronaldo: “Ronaldo, o seu tio quer realmente vender a Rural? Companheira de quase 40 anos. E é muito difícil ver o carro, pois ele está sempre na roça.” “Não! Vem até aqui, que levo vocês lá na fazenda.” “Mas você não vai se casar no domingo?” “Vou! Então vem amanhã.” Liguei para o Sr. Quito novamente, para confirmar que iríamos à fazenda no outro dia, e deixar os contratempos de lado. “Pode vir amanhã, que eu vou voltar para a cidade mais cedo. Tenho que resolver uma pendência na cooperativa de leite.” Bom. Assim sendo teria mesmo que ir no outro dia, numa quinta-feira. Liguei para a Rose e disse o combinado. Ela topou na hora, tava mesmo doida para comprar a Rural. Num tenho falado que o sertão vai virar mar? Mas só poderíamos sair após uma da tarde. Na quinta 06, dia fatídico, trabalhamos pela manhã e Rosilene passou na Fábrica as 13:00 em ponto, como sua neurose por relógios não deixaria ser diferente. Carreguei uma entrega urgente em Contagem no Logus e fomos. Rosilene nem sabia qual era o rumo: “Para qual lado fica Dores do Indaiá ?“ E olha que é a terra da mãe dela... Minha sogra é do Baú, só que era um distrito de Dores do Indaiá. Hoje o Baú pertence à Estrela do Indaiá, que se emancipou de Dores. E a Rose continuou: “A estrada para lá é boa?”. “Costuma ter o asfalto muito ondulado, mas o traçado é plano”, respondi.

Deixa-se a 262/381, quebrando à direita seguindo somente a 262 a partir daí. Parece confuso rodar em duas estradas ao mesmo tempo? É muito pior. Belo Horizonte tem, no Anel Rodoviário, até três rodovias federais seguindo no mesmo leito. Nem o pessoal de jornalismo não entende esta saroba direito. Vira e mexe, eles se complicam. Imaginem um mortal. Como isso agora não interessa tanto, o fato é que mandei gasolina no Logus, colocando ele prá andar bem-carro bom. Pena que ficou sem pai nem mãe e acabou acabando, e eu continuo desvirtuando a história. Até... Até o Rio São Francisco, que naquela região ainda parece um riozinho de nada, quando caiu um pé d’água respeitoso. Choveu? Tira o pé. Estava chovendo tanto que quase passei o trevo de Dores. Entramos no trevo e passamos na frente da placa que indicava a direção do Baú. Estava demorando chegar. Achei que eram uns 180 Km, mas ao final de 240 Km, surge Dores do Indaiá. Fiz igual tinha combinado com o Ronaldo. Cheguei na rodoviária e procurei pela agência do “Jozinho”. Nada a ver, né ? “Jozinho” era o Ronaldo mesmo, um apelido que ele tem. Nada a ver, mesmo! Perguntei a um rapazinho, e ele: “A concessionária do Jozinho é logo ali”, me indicando a direção. Achei a tal “concessionária”, procurei o Ronaldo, tomei um café, conversamos um fiado enquanto fazia um cigarro rápido, e entramos no carro com o Ronaldo indicando a direção. Minha expectativa e ansiedade, que estavam muito na boa, foram crescendo a partir de então. Por isso, nem me lembro direito dos assuntos e do trajeto. Até que... Adivinhem?! O Ronaldo vira e diz: “É ali". Olha a Rural ai. Foi então que vimos pela primeira vez a Rural.

Conversando depois com a Rose ela me disse que pensou exatamente mesma coisa que eu, e acredito que no exato instante, diante de tal visão: “O que é que eu estou fazendo tão longe de casa? O que é que eu vim fazer em Dores do Indaiá ?“ A coitadinha era cinza e branca mesmo, apesar da pintura estar toda desgastada aparecendo um fundo antigo de óxido de ferro e outro cinza escuro para tudo que é lado O cinza escuro, descobri depois que era a cor original de fábrica. Fui parando o carro na sua frente e ela parecia que ia me seguindo com os faróis tristes, com as lanternas de caminhão Chevrolet, uma novinha e outra desbotada um pouco tortinhas, e a suspensão arriada e caída para a direita. Fui puxando o freio de mão, meu sangue começou a esfriar, meus pés e mãos a esquentar. Pensei então com mais razão. Não tinha andado tanto só para ir embora com aparências. A Rural estava feia mesmo, horrorosa, imunda de barro e pó, mas é um carro muito diferente de se comprar, não é como um carro usado normal. Sr. Quito chegou à porta, chamado pelo Ronaldo e nos foi apresentado. “É essa ai. Está muito boa !” E eu nem tanta atenção dei. Já estava circulando a Rural. Não tinha sinais de batidas fortes. Só o pára-choques dianteiro amassado, uns esfolões e esbarrões de carro que trabalha na roça. Um tablado de tábuas na traseira sem o banco sustentava oito latões de leite de 50 litros. A famosa tampa traseira bem baleada, estava presa por uma meia dúzia de dobradiças de porta de casa. As molas da suspensão dobradas para cima, e sem nenhum pedaço de bucha visível, davam todo o direito dessa vovozinha estar tão torta, mas o estado era original, deixando bem claro que quero dizer que ela não tinha modificações, exceto as que as leis foram exigindo com o tempo. E o Sr. Quito: “Vamos dar uma volta, eu vou e você volta.” Chamei a Rosilene para ir também que se negou prontamente. Não sei se era a sujeira da Rural ou a conversa já engrenada, a respeito de seus antepassados de Dores do Indaiá, com Dona Therezinha, esposa do Sr. Quito, juntamente com uma sua amiga que lá tinha chegado, e também conhecia toda árvore genealógica da Rose. Arranquei um botão ressecado do painel tentando ligar o limpador. Só que o tal botão não era o do limpador mesmo. Sr. Quito acabou voltando dirigindo, acho que não teve muita coragem de deixar eu dirigir.”Não sei se você já possuiu um carro desses, mas isso não é carro para correr. Eu só ando devagarzinho”, emendou Sr. Quito. No meio desta conversa, ele também me contou que havia perdido o batente direito do pára-choques dianteiro. Tentou arrumar outro por 6 meses e desistiu. Quase um ano depois, viu uma coisa reluzindo no acostamento da estrada quando estava indo para a fazenda e parou para ver o que era. Era o batente.

Já em Belo Horizonte, quando levava a Faustina para a obra, depois de desencarretar ela do caminhão, é que vi porque Sô Quito preferiu não me deixar dirigir. Ela era muito difícil de operar. Não pela caixa seca, mas pela suspensão batendo nos batentes do chassis toda hora, pela folga enorme na direção, e principalmente pela alavanca de marchas que rodava cada vez que se encostava nela.

Voltamos, o pessoal chamou para entrar. Foi quando a Rose chegou reservadamente para mim, e perguntou: “Isso tem recurso?” “Tem sim. Consigo fazer ela de novo. Só que tem que gastar. Vamos negociar. Se estiver bem, levamos.” Entramos e começamos a negociar com o Ronaldo e com o Sr. Quito, depois de muito falar sobre os parentes da Rose. Sr. Quito abaixou um pouco no preço e disse que não abaixava mais, pois os pneus eram novos e tinha um monte de peças que iriam juntas. Isso posto, até que o negócio não estava ruim. Mas a indecisão minha de encarar uma obra dessas, e a da Rosilene de não ter a menor idéia do tamanho da encrenca, fez com que demorássemos uns 15 minutos pensando, novamente em meio a conversas a respeito da parentada da Rose, inclusive o Valmique, que foi melhor cobrador da cidade. Como de pensar morreu um burro, e se não fizermos umas loucuras na vida, acabamos não fazendo nada, virei para o Sr. Quito e disse: “Sr. Quito, diga o menor preço que vou pagar com dinheiro.” Como o Sr. Quito não quis abaixar mais nem um centavo, apertei-lhe a mão e disse: “Está comprada”.

Enquanto a Rose conferia o dinheiro do Sr. Quito, eu já estava conversando com o Ronaldo sobre a documentação. Interior é tudo mais fácil. O Ronaldo pediu para o tio assinar o documento transferível, pediu para o primo ir a um lugar para "carimbar", e cinco minutos depois, já tinha o documento com firma reconhecida em mãos. Virei para o Ronaldo e perguntei se a Rural dava conta de chegar em Belo Horizonte. Ele achou melhor manda-la em um reboque, o que concordei na hora, já sabendo que não era tão caro pelo conforto e falta de risco. Ele então passou a mão no telefone, ligou para dois conhecidos, e 10 minutos depois, o qual estava disponível, já estava na casa do Sr. Quito combinando endereço e tudo. Virou então o Sr. Quito: “Só pode levar ela amanhã após o meio dia. Tenho que ir buscar leite na roça.” Achei mais que justo o último serviço da Rural na roça, e concordei, já que dava tempo de chegar durante o dia em Belo Horizonte. “Você me manda o nada consta junto com ela amanhã, Ronaldo?”, perguntei. Novamente outra facilidade. Ele passou a mão no telefone, ligou para a delegacia, e instantaneamente soube que não tinha multas, somente dois seguros obrigatórios atrasados. “Desconta no valor”, disse o Ronaldo. Também concordei, e já como possuidor de uma Rural conversamos mais um pouco, até tomar a intenção de ir embora. Após mais um tanto de conversa, e dos pedidos de Dona Therezinha de lá jantarmos, conseguimos chegar à porta para irmos. Após um pouco mais de conversa no portão, peguei a máquina fotográfica para registrar o momento. Tiramos as fotos, e foi quando voltei para o Sr. Quito e perguntei: “A Rural tem nome?”, e ele com o dedo em riste como se regendo o nome da danada, virou para mim e pausadamente disse: “Faus – ti – na”. “Gostei. Vai continuar mesmo Faustina. Com o apelido de Periquita em homenagem ao Faustino ‘Periquito’, da novela das 6. Se ela não tivesse nome iria chamar Therezinha em homenagem à mulher do senhor, mas como batismo é só uma vez, mantenho o nome”, respondi ao Sr. Quito.  Dona Terezinha, então, veio esbravejando comigo: ”Está me chamando de velha?” E a amiga dela, Dona Conceição Gontijo, emendou: “Periquita é um nome muito feio de falar!” Acho que ela havia me compreendido mal. Acredito que eu estava fazendo uma alusão à..., vocês sabem.

Pegamos a estrada de volta, já sem pressa nenhuma, conversando e rindo a toda hora, sem bem acreditar e achando o maior barato a aventura, aventura não, loucura que fizemos.

Já ia me esquecendo. São estas as duas ditas fotos que tiramos:

   

     
 
16/02/2002

Walter Júnior - B. Hte. -

waltergjunior@yahoo.com.br  

walter.junior@ig.com.br

 

O apelido "Periquita" ficou rapidamente esquecido, sendo mantido somente o nome da Faustina. Em 01/05/2007, com a Faustina pronta e já um pouco "viajada", retornamos à Dores do Indaía. Conversamos mais, contamos mais casos. Fizemos a manutenção dessa amizade que foi criada em torno do carro. De vez em quando ligo para o Sô Quito, e aceito qualquer sugestão ou conselho que me der sobre a Faustina.