Passamos pelo Travessão...

  Tô Bão ! 

Acordamos às quatro e meia, saímos às cinco. Novamente fomos só nós quatro: Eu, Rose, Chico e o Edwaldo, então seria mais fácil sair bem cedo. E tinha que ser assim, pois não sabíamos o que seria encontrado pela frente, e o percurso seria o dobro do normal. Entenda-se por normal o caminho mais curto por terra, claro! Eu, não sei porque, estava meio receoso, e por isso completei a caixa de ferramentas e, prá interar, peguei uma enxada na Fábrica, colocando tudo dentro do Edwaldo.

Em Lagoa Santa, um ligeiro aquecimento me fez parar. Constatei que era a tampa do radiador que tinha travado, elevando a pressão do sistema de refrigeração. Arrumei e não apareceu mais esse problema. Exatamente sobre o Rio Cipó, naquela ponte de mão única, uma rateada no motor, que parou quando virei a ignição para o platinado. Achei que era a ignição eletrônica com problemas,  pois o módulo do Edwaldo é o primeiro protótipo que fiz, e que ficou bastante fuxicado pelas modificações. Essa rateada de motor melhorou após uma limpeza do platinado. Achando que estava tudo bem, só restava aproveitar o passeio, pois o caminho é desconhecido e a região belíssima.

Descobrimos uma cachoeira e um pequeno cânion, e passamos próximos ao Vale do Travessão, sempre margeando o Parque Nacional do Cipó, rodando somente por estradas muito pouco utilizadas. O mais marcante dessa viagem foram as travessias a vau no Rio de Peixe, com suas águas minerais claríssimas. Esse rio é mesmo diferente de tudo que tem por lá. No Espinhaço, normalmente os rios são cor de caramelo, devido ao alto teor de enxofre. Já esse não!... É límpido, apesar de nascer muito próximo ao Rio Preto, que pelo nome já dá para notar que tem águas muito escuras. Mas essa escuridão das águas que normalmente se encontra pela Serra do Espinhaço afora não quer dizer nada. Elas são só escuras, mas também cristalinas. Também não posso esquecer o mar de Ipê Amarelo, todos floridos, que nos cercou durante toda a viagem.

Faltavam umas duas léguas para a chegada, quando vi que a Ignição Eletrônica do Edwado estava era boa mesmo, e não tinha era problema algum. Eu tinha dado uma errada no caminho, descendo um morrão quase sem fim. Na hora de subir de volta o Edwaldo fez manha e embirrou, rateando feio o motor. Por sorte ele é equipado com reduzida de fábrica, o que ajuda bastante também nessas horas, e que nos permitiu acabar de chegar, mesmo com meio motor. Abri três hipóteses: Vela queimada, que depois constatei que não era, válvula do motor travando, o que seria muito difícil em um motor já bem rodado e as sedes relaxadas, ou junta do tampão. Gosto de falar tampão de vez em quando. Parece mais antigo que cabeçote... Após uns tiros no carburador não tive dúvidas, era mesmo junta do cabeçote. Fiedazunha !... Porque que esse treim num queimou dentro de Belo Horizonte. Tinha que se aproveitar da viagem e estragar justo no feriado ? E agora ? Qual o recurso ? Era só colocar o Edwado na garagem da pousada e aproveitar os dias rodando com o Lívio, Sabrina, Adriano e Flávia, que eu tinha chamado para ir, e já tinham chegado, pois tinham ido de carro normal por estradas normais.

Guiado pelo Glauber da pousada, fomos, a noitinha, caminhando até o quilombo, onde mora o Sô Zé Duvino, fazedor de rapadura. Rapaduras compradas, prosa em dia, garapa tomada, então, é hora de voltar. Aproveitamos para passar pela casa do Tião Padeiro, para encomendar umas roscas. Num é que na hora que vi o Tião  ele lembrou de mim ? E eu dele... Ai começa o furdunço, caçando de onde é que nós nos conhecíamos. “De onde é que nóis conhece, Tião ?” Mexe e remexe, lembrei que o Tião era o Peão Tião Doido, marido da Sandra, amansador e adestrador de Campolinas, naqueles tempos das exposições na Gameleira, com direito à show do Magal ou da Gretchen. “Sandra, você tá é de parabéns de agüentar o Tião até hoje !..” O Tião Doido hoje é o Tião Padeiro, mas na verdade só vende os pães que a Sandra faz. E continua a dançar Catira, ensinando aos vindouros a arte. Basta duas batidas na Caixa, que a meninada vem correndo, que nem vaca quando escuta a picadeira funcionando.

À noite, ficamos matutando como íamos fazer no outro dia. Com o Edwaldo parado, sobrava um carro baixo e um monte de gente se candidatando a entrar. A Ruth da pousada teve a idéia. Vamos perguntar ao Tião da Besta quanto fica para levar todo mundo lá na Serenata. E foi isso que fizemos, já com a Dona Bilinha avisada que iríamos para almoçar. Que maravilha o progresso !... No meio daquele mato ela tem um celular rural. O trabalho foi só levar o engradado na Bestinha da mulinha do Tião.

Nunca tinha visto a Serenata com tão pouca água, e sabe que foi até muito legal, diferente. Deu para ir ao cânion do Rio Preto e até atravessar pela gruta por baixo da pedra, onde o córrego da Serenata se encontra como o Rio Preto. Tem também o fato de não ter ido de Jeep, prá ajudar a variar.

Quando subimos para o almoço percebi que Dona Bilinha tinha também uma parabólica. Muito jóia a Dona Bilinha... Quando me viu foi recebendo com muita saudação, dizendo que eu tinha sumido. Disse à ela o de sempre: “Nós temos muitos lugares para ir, Dona Bilinha, mas repetimos os melhores de vez em quando...” Certeza eu não tenho se ela tinha se lembrado mesmo de mim, ou se lembrou daquele tal caboquinho que sempre anda com um cachorro chamado Chico, que é muito bonitinho por sinal. Quando chegou o resto do pessoal, virei para o Glauber da Ruth da pousada, ou melhor, ao Graube de Ruth da pousada e disse: “Oia ai, Graube ! Dona Bilinha tem antena paranóica tamém. Se a televisão dela for uma Flipis, daquelas intiligente que tem controle terremoto, com essa antena paranóica ela margeia e proseia que é uma belezura, mesmo aqui no meio do mato !...”. E foi com essa leréia, que tomei umas duas oferecidas pelo Jair de Dona Bilinha, tirando gosto com banana verde frita, enquanto esperávamos terminar almoço. A fome era grande, depois de uma cachoeirada, mas a turma continuava  bebendo e se escornando no alpendre da casa.

Que almoço !... O Glauber tinha dito que pediu à Dona Bilinha para fazer uma galinhada. Eu como isto satisfeito, mas a surpresa maior foi à beira do fogão, vendo que também tinha arroz branco, feijão, carne de porco de lata apuradinha na gordura, purê de batata, angu, salada, limonada de limão capeta e mais uns outros treins. Paraíso ! Os olhos da Rose brilhavam. Comi três pratos, e terminando o terceiro o Adriano me pergunta se queria ovo frito. Quero, claro! E respaldei a comilança com o ovo caipira e arroz. Só me restou a opção de deitar no alpendre e puxar uma palha. Mas sempre tem um espírito de porco, nesse caso a Rose e a Ruth, que vieram tirar fotos enquanto eu dormia, prá falar que eu estava de fogo, que nem o Zé Carlos escornado no passeio do hotel, em Milho Verde no carnaval. Ainda mais eu, que já sei que estou é batendo biela. É que meu "fígo" já num é mais novinho como antes. Só bebo muito prá cair  é de vez em quando, e mesmo assim socialmente, mas prá cair. Voltamos ao entardecer, fazendo bagunça dentro da mulinha, digo, Besta do Tião.

No outro dia, após o café e a insistência do pessoal para irmos à outra cachoeira, e à pé, tiramos mesmo foi o Edwaldo de seu descanso na garagem. Não sabia o que viria com o motor daquele jeito, tendo que usar reduzida em tudo que é morro. Na pior das hipóteses queria chegar até o asfalto, pois qualquer problema maior era só ligar para o Olavo que ele nos resgatava com o seu D40 de prancha. Mas não precisou. O Edwaldo chegou até em casa, e deu até uma média de velocidade ótima para seu estado. 29 Km/h, na viagem de volta. Consumiu um tanto maior que de costume de óleo, mas ao completar seu tanque a surpresa maior. 6,03 Km/l. Isso é que foi um milagre, apesar das trafizungas que ele tem para andar bem e consumindo o mínimo, ele rodou mais de um terço da viagem só com meio motor.

Não se preocupem com a saúde do Edwaldo. Ele já goza dela perfeita, pois a junta queimada já está na minha mão. O que quero dizer é que ele não está mais com aquele problema de junta... Tá lá na garagem,  já limpinho e encerado, após o capricho e dedicação do Jairo, prontinho para a próxima.

Pode ser que alguém esteja perguntando. Para onde é que foi essa viagem ? Tô é ficando mais velho e mais sistemático que já sou. Cismei !... Num falo não. Está dando para assustar como as coisas vão mudando para pior, e em pouco tempo. Pelo menos não vai ser por causa do meu alarde que os vindouros vão deixar de ver as belezas e as rocinhas do jeito que vi.

Até a próxima,

22/08/2005

          Walter Júnior - B. Hte. -

waltergjunior@uai.com.br  

walter.junior@ig.com.br